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  • Foto do escritorConvidada: Natasha A. G. França

Doença de Alzheimer e a dieta Mediterrânea: entenda como ela pode ajudar na saúde cerebral



Ao menos 44 milhões de pessoas vivem com demência em todo o mundo, sendo mais de 1 milhão no Brasil. Dentre as demências, a Doença de Alzheimer (DA) é o tipo mais comum. Uma característica típica da DA é o acúmulo de uma proteína chamada beta-amilóide (Aβ) em regiões do cérebro associadas à memória, aprendizagem e comportamento. Por isso, além da perda de memória, outros sintomas incluem dificuldade em completar tarefas que antes eram facilmente realizadas, mudanças de humor ou personalidade (aumento de ansiedade ou de depressão, por exemplo) e problemas ao se comunicar (ex.: parar no meio de uma conversa e não saber como continuar), o que impacta de forma muito importante a qualidade de vida da pessoa acometida e de todos que estão à sua volta.


É importante salientar que o processo neurodegenerativo se inicia décadas antes dos primeiros sintomas aparecerem, e a taxa de progressão da doença é bastante particular. Menos que 1% dos casos são devido à presença de um gene determinístico e, em geral, os fatores de risco são poucos específicos, e incluem o avanço da idade (>65 anos), o histórico familiar de DA e o histórico pessoal de doenças cardiovasculares.


Nesse contexto, tem-se buscado avaliar o papel da alimentação, principalmente ao que concerne à famigerada Dieta do Mediterrâneo (vamos abreviá-la como MedDiet). Esta dieta, característica de países como Espanha, Grécia e Itália, é composta predominantemente por alimentos de origem vegetal (“plant based”) - frutas, hortaliças, castanhas e leguminosas. De origem animal, o principal representante é o peixe, seguido de um consumo moderado de laticínios. O consumo de carne vermelha é pouco frequente, e a presença de ultraprocessados é quase inexistente. Ah, e claro, bastante azeite de oliva extra-virgem e um consumo frequente, porém moderado, de vinho junto às refeições.


Mas o quê a ciência nos diz sobre a relação entre este padrão alimentar e a DA?


Trago resultados de duas revisões sistemáticas. A mais recente incluiu apenas estudos observacionais, ou seja, não podemos atribuir qualquer relação de causa e efeito, e os resultados podem ser uma mera coincidência. Mas não tiremos os méritos desses estudos, pois eles trazem luz para essa discussão. Em geral, entre populações dos EUA, Austrália e Europa, aqueles com maior aderência à MedDiet apresentam menor declínio cognitivo ao longo do envelhecimento. A outra revisão incluiu apenas ensaios clínicos randomizados (agora podemos limitar um pouco o efeito do acaso) e estudos longitudinais com duração mínima de 1 ano, totalizando 5 estudos com populações dos EUA, Austrália e França. O compilado desses trabalhos permitiu concluir que, a cada aumento em 1 ponto na adesão à MedDiet, reduz-se em 8% o risco de se desenvolver DA, e as pessoas com mais alta adesão tiveram 36% menos risco de desenvolver a DA.


Por quê a MedDiet teria esse poder?


As principais hipóteses se devem à combinação de alimentos ricos em ácidos graxos poli-insaturados (provenientes principalmente dos peixes, castanhas e azeite) e em fitoquímicos (principalmente frutas e hortaliças, mas também o azeite), e à reduzida frequência de fontes de ácidos graxos saturados (carne vermelha e laticínios), os quais contribuem para a deterioração da barreira hematoencefálica (sangue-cérebro) e consequente acúmulo de Aβ. Dadas essas características, a MedDiet teria um importante potencial anti-inflamatório e de redução do estresse oxidativo, os quais são presentes na DA. Assim, não é de se surpreender que ela tenha sido associada também ao menor risco de doenças cardiovasculares, o que, em contrapartida, também contribui para o menor risco de demências. Adicionalmente, essa dieta é fonte de ácidos graxos ômega-3, dentre eles o ácido docosahexaenoico (DHA), um dos principais constituintes das membranas dos neurônios. Porém, ressalta-se que as evidências quanto à sua suplementação ainda são bastante contraditórias.



Contudo, será que é simples aplicar esse padrão de alimentação a populações para além da região do Mediterrâneo? Um trabalho bastante interessante desenvolvido por Murphy e Parletta em 2018 com australianos sugere que não, e aponta os principais obstáculos: dificuldade de acesso a nutricionistas, elevado consumo de carne vermelha pela população, e a presença cada vez mais frequente de alimentos ultraprocessados.


Além disso, os hábitos alimentares e de estilo de vida e as diretrizes vigentes em cada país precisam ser considerados. Mas nada impede que alguns alimentos sejam incorporados ou adaptados inspirados na cozinha mediterrânea. Por exemplo, grandes consumidores de carne vermelha poderiam ser encorajados a substituí-la em algumas refeições por carnes brancas ou mesmo por leguminosas (como os feijões, lentilha e grão de bico). Por que não? Um estudo que incluiu 10 países revelou que a carne e os produtos de origem animal (exceto laticínios) foram os alimentos que apresentaram maior correlação com as taxas de DA. E o top 3 dos países com mais altas correlações inclui o Brasil.


De forma simplificada, frutas e hortaliças (alimentos in natura em geral) devem ser encorajados, e carnes vermelhas e ultraprocessados, limitados – nós temos isso no Guia Alimentar para a População Brasileira – um toque de azeite… e voilà! Bon appétit (e, provavelmente, boa saúde cerebral)!


Referências


Alzheimer’s association (Brasil). Disponível em: https://www.alz.org/br/demencia-alzheimer-brasil.asp


Chen et al. Amyloid beta: structure, biology and structure-based therapeutic development. Acta Pharmacologica Sinica (2017) 1205–1235.


Solfrizzi V et al. Relationships of Dietary Patterns, Foods, and Micro- and Macronutrients with Alzheimer’s Disease and Late-Life Cognitive Disorders: A Systematic Review. Journal of Alzheimer’s Disease 59 (2017) 815–849.


Singh B et al. Association of Mediterranean Diet with Mild Cognitive Impairment and Alzheimer’s Disease: A Systematic Review and Meta-Analysis. Journal of Alzheimer’s Disease 39 (2014) 271–282.


Murphy KJ, Parletta N. Implementing a Mediterranean-Style Diet Outside the Mediterranean Region. Curr Atheroscler Rep (2018) May 4;20(6):28.


Hosseini et al. Blood fatty acids in Alzheimer’s disease and mild cognitive impairment: A meta-analysis and systematic review. Ageing Research Reviews 60 (2020) 101043.


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Autora convidada: Natasha Aparecida Grande de França



Nutricionista pela Unesp de Botucatu com aprimoramento especialização em Nutrição esportiva. Mestra e Doutora pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Pós-doutoranda no Instituto de Envelhecimento do Centro Hospitalar Universitário de Toulouse, França (Gérontopôle, CHU).


Contato: natasha.agf@gmail.com





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