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  • Foto do escritorNatália P. de Castro

Moldando o comportamento alimentar futuro dos seus filhos



Há muito tempo venho estudando os efeitos das dietas materna e paterna no peso dos filhos, sempre pela perspectiva da Origem Desenvolvimentista da Saúde e da Doença - já escrevi alguns textos sobre o tema aqui no nosso blog (saiba mais sobre a teoria de Barker). Simplificando, a teoria abrange, entre outros assuntos, como a dieta materna/paterna, que é a interface entre o feto e o ambiente, pode programar a saúde ou a doença dos seus filhos na idade adulta.

Hoje, vimos compartilhar com vocês um estudo importantíssimo do ponto de vista nutricional, um pouco diferente do que eu já venho estudando, mas não menos importante. Sabe-se, no meio acadêmico e da nutrição, que o comportamento alimentar de crianças é um dos fatores que podem contribuir para a obesidade na idade adulta, e, este comportamento é moldado no ambiente familiar. Os pais têm papel fundamental nesse processo e podem moldar o comportamento alimentar dos seus filhos (de forma intencional ou não). Portanto, atenção aos nossos leitores que já são pais e aos que pretendem se tornar.





Os comportamentos dos pais que podem moldar os hábitos alimentares dos seus filhos são categorizados em 3 construtos:


1) Controle coercitivo – definido como forçar ou dominar a criança para que ela haja conforme os desejos dos pais (como uso de chantagem, pressão para comer ou recompensas). Nessas práticas a atenção é voltada para o desejo dos pai e não para a percepção de saciedade da criança, o que pode ter efeito adverso no ganho de peso da criança em longo prazo.


2) Estrutural – definido como a organização do ambiente visando a promoção da competência da criança em desenvolver alimentação saudável. Nesta categoria estão inclusas a adoção de uma alimentação saudável pelos pais (como modelos de alimentação saudável) e exposição repetida aos alimentos.


3) Suporte a autonomia – definido como a promoção da independência e autonomia da criança para escolher alimentos mais saudáveis (feito pelo encorajamento dos filhos em relação às suas escolhas alimentares, além de não usar recompensas alimentares).


O estudo que trataremos hoje é uma revisão sistemática de todos os estudos publicados nos últimos 20 anos, prospectivos (ou seja, que seguiram a família ao longo do tempo)*, e que associaram os comportamentos dos pais em relação a alimentação e o peso dos seus filhos anos depois.






Resultados encontrados pelos autores

1) Controle coercitivo


  • Restrição - prática autoritária dos pais que limita a ingestão de comidas não saudáveis pelos seus filhos.


Dentre os 23 estudos analisados, apenas 4 estudos foram considerados pelo painel de autores como tendo boa qualidades. Destes, dois estudos apontaram que a restrição alimentar imposta pelos pais não está associada ao aumento do peso dos seus filhos e dois estudos apresentaram resultados conflitantes (apontando possível relação entre a restrição alimentar e o aumento de peso).


  • Pressão para comer – demandar que a criança coma mais, sem levar em consideração a sua fome, saciedade e preferências alimentares.


Dentre os estudos avaliados como tendo boa qualidade pelo painel de autores, há evidências que apontam que a “pressão para comer” pode fazer com que crianças tenham menor índice de massa corporal que outras crianças da mesma faixa etária.


  • Uso de chantagem (instrumental) ou recompensas (usar o alimento quando a criança está triste, magoada ou frustrada)


Dentre os estudos analisados, o uso da chantagem (comer como instrumento) de forma isolada ou a chantagem associada à recompensa estiveram associadas ao maior peso corporal dos filhos. Já a recompensa, isoladamente, não apresentou associação com peso da criança.


  • Uso de controle excessivo - os pais decidem como, quando, onde e quanto as crianças comem


O único estudo que avaliou esta variável apresentou associação do controle excessivo dos pais com menor peso corporal das crianças em longo prazo.

2) Estrutural


  • Monitoramento – significa manter controle de tudo o que a criança come


A maioria dos estudos encontrados (73% dos 11 estudos totais) não demonstraram associação entre monitoramento e peso das crianças ao longo do tempo.


  • Rotina alimentar – estrutura das refeições familiares (regularidade, horário, frequência e se as refeições são realizadas na presença da família)


Os autores não encontraram evidências de boa qualidade que indicam relação entre a rotina alimentar e o peso da criança ao longo do tempo. Contudo, dentre os 9 estudos avaliados, 50% deles encontraram associação entre a frequência das refeições familiares e menor peso da criança ao longo do tempo.


  • Disponibilidade e acessibilidade – a disponibilidade refere-se aos tipos e quantidades de alimentos que são trazidos pelos pais para dentro de casa e acessibilidade reflete o quão fácil as crianças da casa conseguem alcançar esses alimentos


71% dos 7 estudos encontrados não apontaram associação entre a disponibilidade e acessibilidade de alimentos e peso da criança ao longo do tempo.


  • Alimentação permissiva – falta de controle parental e estrutura sobre o que a criança come


Os resultados dos estudos são inconclusivos (2 estudos referem peso maior, 1 estudo não encontrou relação e 2 estudos referiram peso menor) sobre os efeitos do comportamento permissivo dos pais em relação a alimentação da criança e no peso das crianças ao longo do tempo.


  • Regras e limites – refere-se a expectativa e limites dos pais m relação a alimentação da criança.


O único estudo encontrado que tenha avaliado estas variáveis não encontrou relação entre a imposição de regras e limites na alimentação e o peso dos filhos ao longo do tempo.


  • Pais como modelo de alimentação saudável


O único estudo encontrado não demonstrou associação entre a alimentação parental e o peso dos filhos ao longo do tempo.


  • Escolhas limitadas ou orientadas – quando os pais permitem que a criança escolha seus próprios alimentos dentro dos limites adequados para a sua idade e desenvolvimento.


O único estudo encontrado que tenha avaliado esta associação mostrou efeito protetor deste comportamento em relação ao peso do filho.

3) Suporte a autonomia


  • Encorajamento – refere-se ao comportamento dos pais em estimular o consumo de alimentos saudáveis de forma indireta


Os resultados da literatura em relação ao encorajamento são inconclusivos: dentre os 5 estudos encontrados, 1 deles demonstrou que o encorajamento esteve associado ao aumento de peso das crianças, 1 deles demonstrou redução de peso das crianças e 3 estudos não encontraram associação entre o encorajamento e o peso das crianças.

Ao contrário do que mostram estudos transversais, os resultados deste estudo, publicado e disponível na sua forma integral no periódico Appetite, mostram que de forma geral, o controle coercitivo exercido pelos pais não apresenta efeito no peso das crianças em longo prazo. Há uma única exceção: quando os pais utilizam chantagem envolvendo comidas, o que foi mostrado que está relacionado ao maior peso dos filhos. Esse comportamento é bem comum na prática. Quantas vezes não vemos mães/pais/tios/avós falando: “se você se comportar, na volta vai ganhar um pirulito”.

De fato, as crianças tendem a responder melhor aos estímulos positivos associados à alimentação (isso mesmo na nossa experiência clínica). Dificilmente práticas como controle coercitivo funcionam e é o que demonstram os achados do trabalho apresentado hoje aqui. Por outro lado, a regularidade das refeições em família mostrou-se protetora para o ganho de peso, o que é bem interessante.


Os autores ressaltam a necessidade de se fazer mais estudos desse tipo. Realmente: é dificílimo reunir os resultados de estudos qualitativos (ou que não são numéricos), o que, a meu ver, só aumenta a validade deste estudo. Enquanto outros estudos não vêm, vamos fazer o melhor que podemos para os nossos pequenos.




Referência

Beckers D, Karssen LT, Vink JM et al. Food parenting Practices and chidlren´s weight outcomes: a systematic review of prospective studies. Appetite, 158, 105010, 2021.

*Geralmente consideramos estudos prospectivos de maior qualidade, pois é possível estabelecer relação de causa e efeito, ao contrário dos estudos transversais.

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