Kelly V. Giudici
Os riscos de se alimentar no piloto automático, e como desligá-lo

É normal que, em meio à correria do dia-a-dia, muitas ações passem a ser feitas em modo automático, o que quer dizer que seguimos os hábitos sem refletir muito sobre o que estamos fazendo. Isto não é necessariamente um problema, desde que estes hábitos não estejam agindo contra a nossa saúde e/ou prejudicando a nossa qualidade de vida.
Identificar se o seu piloto automático está te direcionando para um caminho preocupante nem sempre é fácil. Afinal, os efeitos de maus hábitos alimentares são graduais e cumulativos, e relacionados a diversas possíveis causas ou gatilhos. Isso quer dizer que muitas ações podem estar acontecendo na sua rotina alimentar e prejudicando a sua saúde, sem que você se dê conta.
Porém, conhecer alguns exemplos pode ajudar a identificar pontos que podem ser trabalhados no seu comportamento alimentar. Veja a seguir se você se identifica com alguma destas situações, e conheça uma ferramenta simples (mas poderosa) para avaliar os seus hábitos e entender melhor o modo como o seu piloto automático tem dirigido a sua alimentação!

A constante “hora do cafezinho”
Qualquer pausa no trabalho é sinônimo de uma xícara de café? As doses se multiplicam ao longo do dia, simplesmente porque seria difícil se manter acordado(a) e/ou concentrado(a) no trabalho sem cafeína?
Avalie se você realmente precisa de tantas doses de café a cada dia. Este hábito pode estar sendo um subterfúgio para não encarar um problema importante: a baixa qualidade do sono. Noites mal dormidas, se muito recorrentes, prejudicam o metabolismo, dificultam a perda de peso e atrapalham a produtividade e o bem-estar.

O prato de sempre e as garfadas anti-desperdício
Você costuma se servir sempre da mesma quantidade de arroz e feijão, mesmo estando com níveis de fome diferentes a cada dia, ou independente dos outros alimentos disponíveis naquela refeição?
Quando o prato está chegando ao fim, muitas vezes o seu sinal de saciedade já foi ativado mas, pela praticidade, você empurra as últimas garfadas só para não causar desperdício?
Prestar atenção na fome que precede cada uma das refeições e no momento em que seu cérebro identifica a saciedade são passos importantes para treinar o porcionamento adequado dos alimentos. Ninguém quer desperdiçar comida, mas empurrar calorias para dentro tampouco deveria ser uma alternativa aceitável. Comer além do que o seu corpo precisa pode ajudar a desregular os hormônios que identificam e controlam fome e saciedade, além de contribuir para o ganho de peso e consequentemente para o desenvolvimento de diversas doenças crônicas. O bom é que não é difícil evitar as garfadas forçadas! Confira aqui formas de combater o desperdício de alimentos sem que isto impacte negativamente a sua saúde.
A tradição das refeições sociais
O almoço de domingo com toda a família, o happy hour com os amigos, a festa de aniversário... sabemos que em tempos de pandemia estas situações foram drasticamente reduzidas, mas a socialização por meio de refeições sempre existiu e continuará existindo. Isto não é nenhum problema! É ótimo compartilhar a alimentação com familiares e amigos, e celebrar com comida é uma das mais fortes maneiras de estreitar laços sociais. A questão se torna delicada, porém, quando o hábito transcende o prazer do momento, e por estar em meio a outras pessoas, você deixa o seu piloto automático tomar decisões que, caso você mesmo o fizesse conscientemente, seriam diferentes. Isso é tão frequente que nem nos damos conta de que temos outras escolhas! Veja algumas delas:
Você já comeu bastante na festa de aniversário e não sente vontade do bolo na hora do parabéns? Pois então não precisa comê-lo!
Seu copo de cerveja não precisa ser mantido sempre cheio desde a hora em que chega ao happy hour até o momento de pedir a conta!
Em um rodízio de pizza, a ideia de “fazer valer o preço” não pode ser o objetivo. Se numa pizzaria à la carte você não comeria oito fatias sozinho(a), forçando até uma possível indigestão, por que fazê-lo no rodízio? Se a ideia é provar vários sabores diferentes, divida as fatias com quem estiver com você, e/ou deixe os sabores tradicionais para uma outra vez.
Repetir o prato no almoço de domingo só porque os outros da mesa o estão fazendo não deve ser obrigação para demonstrar que a comida estava boa.
Em resumo, a mensagem é a mesma: não deixe a opinião dos outros (ou o contexto) serem justificativas aceitáveis para forçar comida para dentro.

A sobremesa como recompensa ou prêmio de consolação
Sobremesas podem fazer parte de qualquer alimentação saudável. O problema é quando configuram repetidamente uma válvula de escape para emoções, como tristeza, ansiedade e stress. É frequente, porém, que o doce prazer do momento se reverta em culpa logo após o exagero, criando um ciclo cada vez mais difícil de ser rompido. Como já falamos aqui, a culpa é uma das maiores inimigas da mudança de hábitos, e torna qualquer mudança mais difícil.
Identificar a real razão (fome, desejo e/ou sentimento associado) que o(a) acompanha a cada refeição é um passo importante para sair das escolhas automáticas e, gradativamente, mudar estas escolhas. A ajuda de profissionais muitas vezes pode ser necessária neste processo, bem como o uso de instrumentos que o(a) ajudem a reconhecer quais comportamentos mudar (e seus motivos).
Como identificar seus hábitos para sair do automático
Repensar o comportamento alimentar é um passo importante para identificar o que precisa ser mudado e, assim, partir para as ações que permitirão que isto aconteça. Neste sentido, fazer um diário alimentar é um exercício poderoso para quem deseja sair do piloto automático na rotina alimentar e voltar à direção da própria alimentação. É uma ferramenta simples, fácil e sem custos, e apesar de parecer sem importância para algumas pessoas, escrever sobre a sua alimentação durante alguns dias pode revelar muito sobre questões que vão além da comida, e ajuda-lo(a) a aprofundar o autoconhecimento.
Como fazer?
Experimente, por pelo menos 3 dias seguidos, anotar tudo que consome. O ideal seria fazer as anotações por pelo menos uma semana.
Inclua a data, descrição completa dos alimentos, quantidades, horário, local, companhia, sentimentos e nível de fome a cada refeição.
Fotografar as refeições também é interessante!
Ao fim da experiência, avalie com atenção suas anotações e o contexto envolvido em cada refeição (no ambiente e na sua mente).
A partir disto, identifique pontos cruciais que podem ser mudados (como as situações exemplificadas acima), e atente-se sempre que se vir diante deles novamente, para então agir com consciência, fora do automático.
Se for de seu interesse, um nutricionista pode ajudar a aprofundar a interpretação do diário, e guia-lo(a) conforme suas necessidades.
