Natália P. de Castro
Vai tarde, 2021! Au revoir.
Mais um final de ano! Mas, dessa vez, acredito que este ano não tenha sido tão feliz não - pelo menos do ponto de vista nutricional. Abaixo, usei livremente uma imagem que me representa neste final de ano: a do personagem, eternamente frustrado, Charlie Brown, ao lado do seu amigo otimista Linus (criados pelo Charles Schulz).

Imagem do desenho animado "Quem é você, Charlie Brown?".
Pois é: para mim e para alguns, este ano de 2021 foi angustiante. Acho que a principal razão dessa tristeza é a perda de pessoas próximas para COVID-19, mesmo após o esquema de vacinação completo. A segunda razão, é a perda da liberdade que a gente tinha no período pré-pandemia, sabe? Aquela vontade de tomar café da manhã na padaria aos domingos e não poder, de sair com os amigos e dançar, de comemorar aniversários, viajar para a praia e matar a saudades das pessoas, principalmente dos nossos familaires que moram longe. Este ano ainda não foi o ano de fazer isso. Numa ordem mais pessoal, perdi meu melhor amigo nesse 2021 - meu cachorrinho amado, que viveu 13 anos comigo, sendo o melhor companheiro da vida nesse período tão difícil. Durante anos estampou e ainda estampa alguns dos meus perfis das redes sociais, deixando uma saudade imensa e irreparável. Ele foi o meu ticket para a liberdade e saúde mental. Quando ninguém saía por causa da pandemia, eu vi na TV um italiano levando para passear seu cachorro (na Itália, onde, naquela época, a pandemia atingia proporções que a gente nem imaginava e os corpos das vítimas de COVID-19 estavam sendo incinerados, porque não tinha mais lugar nos cemitérios). Então, decidi que eu poderia, sim, sair apenas para levá-lo para passear. Afinal de contas, era para a saúde "dele". E, assim, saíamos todos os dias para uma caminhada, aproveitando o pouqinho de liberdade que essa necessidade "dele" trazia pra gente.
Ciente que as minhas queixas são de "white people problems". Mas também não ignoro o cenário maior. Em âmbito geral, observamos uma catástrofe acontecer. A pandemia levou à uma crise econômica global. As pessoas perderam empregos, portanto, a renda e poder de compra. No Brasil, as crises consecutivas dos Ministérios, associados à má gestão econômica, levou o país ao ranking de 4ª maior taxa de desemprego mundial, perdendo apenas para Costa Rica, Espanha e Grécia. Na época em que eu fazia cursinho pré-vestibular (década de 2000), sempre via o Brasil figurando alto e promissor como um dos grandes PIBs nos livros de geografia (nuca como Estados Unidos e China, claro). PIB ou produto interno bruto é uma somatória de todos os bens e serviços por período de tempo e é usado como parâmetro da situação econômica do país. Hoje, o PIB do Brasil está em declínio. A imagem abaixo mostra o PIB ao longo dos trimestres dos últimos anos e nos diferentes governos do Brasil. Os dados e a imagem são do Wikipedia, mas eu conferi alguns dos dados, que foram retirados do site do Fundo Monetário Internacional. O que vemos é assutador. Isso, porque as grandes áreas azuis, que indicam PIB em ascensão, já não são mais extensas e, atualemente, é muito baixa quando comparadas aos anos e governos anteriores.

Gráfico retirado do Wikipedia: "Produto Interno Bruto do Brasil".
Será que podemos responsabilizar os governos pela queda do PIB, tendo em vista que passamos por uma crise econômica global? Veja, podemos sim. Basta observar que, durante a recessão econômica, apesar de todos os países apresentarem queda do PIB, alguns tiveram declínio mais acentuado - pelo menos durante a pandemia de COVID-19. No terceiro trimestre de 2021, enquanto as economias mundiais tentam se reerguer do que tem sido essa crise (apresentado PIBs em ascenção em relação ao trimestre anterior), o Brasil recuou 0,1% do PIB em relação ao trimestre anterior, colocando o país dentre as piores economias mundiais quando comparado aos outros países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Mas que que isso tem a ver com nutrição?
Tudo. Um dos parâmetros que usamos para avaliar a fome no país, é o índice de massa corporal (IMC). Já falamos muito sobre o IMC nos nossos textos anteriores, provavelmente em textos relacionados à obesidade. Quando a fome avassala o país, os índices de desnutrição são elevados. A OMS define a desnutrição em adultos como um IMC abaixo de 18,5 kg/m2. Em crianças, o diagnóstico é um pouco mais complexo, porque usamos curvas de crescimento para avaliar o estado nutricional (se está desnutrida, eutrófica, com sobrepeso ou obesidade). Fazemos o mesmo cálculo do IMC, mas colocamos esses valores nas curvas da OMS para fazer o diagnóstico nutricional, como representado nas figuras abaixo. Os gráficos são divididos pelo sexo da criança: meninos e meninas.


Adivinhem o que acontece quando as pessoas não tem dinheiro para comprar comida? Desnutrição. A desnutrição infantil é particularmente importante, porque o comprometimento à saúde pode ser permanente. A OMS gosta de chamar esse tipo de desnutrição, a depender do diagnóstico (Wasting ou Stunting), de failure to thrive, o que significa, traduzindo, falência de atingir o seu potencial de crescimento.
E adivinha? Quando avaliamos a desnutrição de crianças entre 0 e 2 anos nos últimos 13 anos, observamos o seguinte:

Fonte: Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional.
A partir do meio de 2016 em diante, os índices de magreza e magreza acentuada subiram sobremaneira. E entendam: a desnutrição nessa idade é GRAVE e esse padrão do estado nutricional também é observado em outros grupos etários. Isso é um reflexo da gestão econômica dos recursos do país. Quer aceitem, quer não, o programa de transferência direta de renda, Bolsa Família, criada no Governo Lula, tirou o Brasil do mapa de miséria e fome Organização das Nações Unidas. Não sou eu quem está afirmando isso. É dado, ciência. Você pode até não acreditar, mas se olharmos os dados brutos e gerarmos gráficos, veremos uma situação similar a apresentada no gráfico de desnutrição de crianças de 0 a 2 anos.

Recorte de publicação de 2014.
Aliás, você pode até não acreditar, mas isso te posiciona com o mesmo grupo que não acredita nas medidas sanitárias para conter os avanços da pandemia de COVID-19 e até hoje acredita que a vacina não é eficaz. Temo revelar que talvez você seja um negacionista. Sinto muito.
Mas, pelo menos para mim (contém ironia), nem tudo foi ruim. Apesar da recessão e do corte das verbas destinadas à pesquisa, eu fui contemplada com bolsa de pesquisa para continuar fazendo o que mais amo: ciência. Sempre entendi o meu privilégio nesse processo. Em contrapartida, novamente, no cenário Nacional - tivemos cortes de verbas monumentais para pesquisa no Brasil. Apesar de ter conseguido a bolsa, foi-nos negada a verba para viabilizar/financiar o nosso projeto de pesquisa. Submetemos o pedido no Edital da Chamada Universal do CNPq/2021. Nada surpreendente a negativa, visto que em outubro de 2021 foram desviados, pelo Ministério da Economia, R$ 600 milhões de reais previstos para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Informações (MCTI). O dinheiro foi distribuído para outros ministérios e a pasta ficou com apenas R$ 90 milhões (dos 690 mi). Nada disso foi para o CNPq.
Deixando um pouco para lá a minha animosidade pelos acontecimentos dos últimos anos, aliás, que nada tem a ver com o personagem Charlie Brown, como diz Chico, "amanhã há de ser um outro dia".
O NutS deseja aos nossos leitores um ano cheio de saúde, emprego, cultura, lazer. Um ano de crescimento econômico, redução da desnutrição e fome e incentivo à educação e pesquisa. Estamos esperançosas com as próximas eleições 2022. Façamos então a nossa parte.
Tiraremos janeiro para descansar e encorporarmos ânimo e criarmos ideias para começar um ano promissor. Mas nos veremos em fevereiro de 2022.

Charlie Brown e seu cachorrinho, Snoopy (Schultz). Essa imagem retirei do site de outro admirador dos desenhos e quadrinhos: http://obviousmag.org/archives/2007/08/charlie_brown_1.html.
Referências:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59513167
https://www.imf.org/external/datamapper/NGDP_RPCH@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD4
https://pt.wikipedia.org/wiki/Produto_interno_bruto_do_Brasil#cite_note-:6-21
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59513167
https://sisaps.saude.gov.br/sisvan/relatoriopublico/index