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  • Foto do escritorNatália P. de Castro

O aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade como causa social, feminista e fundamental



Nesses últimos tempos de pandemia, tenho, por questões pessoais e profissionais, deparado-me com questões relacionadas ao aleitamento materno, que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), deve ser a única fonte de alimento do bebê do nascimento até os 6 meses de idade (nem mesmo água deve ser oferecido ao neném nesse período).


De fato, quando a recomendação é da OMS, significa que uma extensa revisão de literatura (com tudo o que foi publicado até o momento) foi feita antes que se chegasse a um consenso sobre o que realmente beneficiaria o desenvolvimento do bebê em relação a alimentação. Hoje, em longo e curto prazo, sabemos que o bebê que mama exclusivamente até os seis meses de idade tem menores riscos de desenvolver asma, obesidade, diabetes tipo 1, doenças respiratórias e otites (dor de ouvido) agudas. Em curto prazo, o neném que mama até os 6 meses apresenta também menor risco de falecer pela síndrome da morte súbita infantil, sofrer com diarreias e infecções intestinais graves e apresentar enterocolite necrosante (que é mais comuns entre bebês prematuros). Os benefícios do aleitamento materno exclusivo nem é mais questionado. Tornou-se algo que é amplamente conhecido. Contudo, há entraves práticos e sociais que representam um risco ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade. Muitos deles estão relacionados às causas femininas, uma vez que a mulher é a protagonista do aleitamento. Hoje, trataremos de fatores que são fundamentais para promovermos o aleitamento materno exclusivo.


1) Licença maternidade

A primeira questão, e talvez uma das mais importantes para promover o aleitamento materno exclusivo de 6 meses é: licença-maternidade mínima de 6 meses. Na prática, no trabalho de acompanhamento do qual fiz parte, com puérperas (mulheres que acabaram de ter neném) e seus filhos nos primeiros meses de vida, a maior parte das mulheres que começa a trabalhar quando seus bebês completam 4 meses de vida, não conseguem manter o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês. A dupla jornada (mães que trabalham em casa e fora de casa), o estresse da vida no trabalho e a preocupação com os afazeres domésticos fazem com que a mulher pare de produzir leite. Vejam, é algo que acontece de forma involuntária: muitas mulheres, apesar da rotina estressante, tentam extrair leite e armazenar para que o cuidador ou creche siga o aleitamento materno exclusivo. Mas esses dados não vêm apenas da minha experiência em campo, pesquisadores são unânimes na importância da licença maternidade para a promoção do aleitamento materno exclusivo (Rimes, Oliveira e Boccolini, 2019; Monteiro, et al., 2019). As evidências apresentam claramente que há uma relação entre a interrupção do aleitamento materno exclusivo e a licença-maternidade (Navarro-Rosenblatt e Garmendia, 2018). Os efeitos observados da interrupção do aleitamento materno exclusivo causado pelo término precoce da licença-maternidade fez com que alguns países desenvolvidos adotassem licenças-maternidade maiores que a de 4 meses que temos aqui. Quando eu falo de licença maternidade aqui, eu me refiro a licença maternidade remunerada. Em documento da UNICEF, intitulado “Pesquisa sobre Políticas Amigas da Família", 2019), o primeiro lugar no ranking de país com melhor política de licença maternidade remunerada é da Estônia, que garante às mães 85 semanas de licença maternidade. Pasmem, isso é mais que 1 ano e meio de licença maternidade. E eles ainda garantem 2 semanas de licença paternidade remunerada aos pais (e não são os melhores ranqueados neste quesito). Essa licença maternidade passa bem longe das aproximadas 18 semanas (4 meses) que são regulares aqui no Brasil. Os Estados Unidos, porém, vencem o prêmio de pior país promotor do aleitamento materno: não há leis que permitam às mulheres tirar licença maternidade remunerada. Nos EUA, a mulher, quando tem neném, pode tirar 12 semanas de licença maternidade, contudo esta licença não é remunerada.



Fonte: UNICEF, 2019.


Sabe aquele desenho que representa a diferença entre igualdade e equidade? Pois é. Aqui é a mesma coisa quando consideramos homens e mulheres no mercado de trabalho. Deve-se prover às mulheres condições diferenciadas para que ela possa se manter no mercado de trabalho de forma segura, enquanto também pode se manter amamentando mesmo após a licença maternidade remunerada de 6 meses. Vale lembrar que o aleitamento materno é recomendado pela OMS até os 2 anos de idade.



2) Rede de apoio da nutriz


Mesmo se nenhuma evidência científica existisse sobre a importância da rede de apoio à mulher que amamenta, na prática, nós sabemos que isso é quase obrigatório para que a mulher tenha sucesso na amamentação exclusiva até o sexto mês de vida do bebê. Parte do apoio emocional envolve a aquisição de conhecimento sobre os assuntos relacionados a amamentação (Wood et al., 2016), que pode ser oferecido pelas maternidades logo após o parto e adquiridos por livros e informação disponível on-line. É também possível contratar profissionais qualificados para consultoria em aleitamento materno. Mas, consideramos que o melhor apoio vem das mulheres da família ou amigas que já tenham amamentado (Baraldi et al., 2020). Essa rede, composta exclusivamente por mulheres, pode sanar dúvidas e conferir à nutriz o apoio emocional e autoconfiança necessários para que ela acredite na sua própria habilidade de amamentar (Wood et al., 2016; Mazza et al., 2014; McFadden et al., 2018; Lee et al. 2019). E não se enganem, aí está um grande exemplo de como a sororidade e o empoderamento podem mudar a vida e os processos de saúde e doença de um indivíduo.


Caso uma rede de apoio feminina não esteja disponível, há grupos de aleitamento materno que podem ser encontrados na internet e é também possível ligar para as maternidades que oferecem este apoio às nutrizes.

3) Informação


Todas as vezes em que penso nas relações entre mães e filhos, ocorre-me um dado que há anos é martelado na minha cabeça (ou que, por algum motivo, sempre foi importante para mim): a educação materna está sempre positivamente associada a melhor saúde dos filhos de forma geral. Para se ter uma noção, o maior nível de escolaridade materno está consistentemente associado a redução da mortalidade dos filhos. Na Etiópia, por exemplo, observou-se redução de mortalidade infantil em 28% das mães que cursaram o primeiro grau em comparação às mães analfabetas. A redução na mortalidade foi ainda maior para bebês nascidos de mães que cursaram o ensino médio: 45% em relação as mães analfabetas (Kiross et al., 2017). Mas os dados não são só da Etiópia e tampouco apenas para a mortalidade. A escolaridade materna está associada a saúde dos filhos. Portanto, a conclusão é de que a informação é poder. Isso não é diferente para a amamentação: os estudos mostram que a educação materna está relacionada ao maior tempo de aleitamento (Bertini et al., 2003; Tang et al., 2018). O conhecimento faz a diferença (Tang et al., 2018) e isso não se restringe também a escolaridade.


Precisa-se saber que os mamilos podem ficar feridos no início do aleitamento materno, mas que isso vai passar rapidamente e tem cremes/pomadas que podem ajudar com a dor e desconforto. Você pode produzir muito leite nas primeiras semanas após o nascimento do bebê, isso é comum, porque o corpo está se adaptando a demanda do neném, depois esse quadro muda e a produção de leite se normaliza. Tente não apertar os seios quando estiver amamentando, porque isso pode interromper o fluxo de leite. A boa “pega” é fundamental e você vai pegar as manhas com o tempo. Informem-se, perguntem! Pode ser até aqui ou nas nossas redes sociais. Outras informações podem ser encontradas e fundamentais para o sucesso do aleitamento materno.

4) Social


Embora o aleitamento materno seja algo absolutamente natural, a dupla função dos seios da mulher, maternal e erótica, levantam questões que precisam ser naturalizadas para que não haja obstáculos ao aleitamento materno. Em artigo sobre amamentação e sexualidade, Sandre-Pereira (2003) discorre sobre o aleitamento materno e a sexualidade na sociedade moderna:


“Na sociedade ocidental moderna, a função estética do corpo, e do seio, em particular, se hipertrofiou. Sua forma, seu volume, sua consistência devem se alinhar a um modelo preciso. Nesse contexto, o seio é percebido primeiro e antes de tudo como um órgão sexual, de grande apelo erótico. Mas a utilização dos seios na sua função biológica da amamentação não está completamente desligada da possibilidade de uma experiência sensual”.

A percepção do seio materno primeiro como órgão sexual, faz com que as mães se sintam desconfortáveis em amamentar em público, apesar das leis que garantam às nutrizes este direito. Inseridos na sociedade machista em que vivemos, reduzir a mulher a um objeto sexual (seio como órgão erótico) traz consequências graves para prática de aleitamento materno, que vai além das ruas. Sobre situação verdadeira relatada no artigo de Sandre-Pereira:


“Uma mulher chega com seu bebê para a consulta de puericultura na maternidade. Um detalhe chama a atenção do pediatra: a diferença importante de tamanho entre suas mamas. Uma conversa cuidadosa revelará a origem dessa diferença. Mãe lactante, essa mulher faz uma divisão 'verticalizada' de seu próprio corpo, entre o seio materno, fonte de alimento, e o seio erótico, fonte de prazer sexual. Um seio para o bebê e um seio para o marido."

Sendo assim, é necessário lutar pela naturalização da amamentação para que as próximas gerações de mulheres se sintam confiantes em seus papéis de nutrizes, o que é fundamental para a prática de aleitamento.

Por fim, vale ressaltar que as políticas públicas adotadas por países desenvolvidos no que se refere a licença maternidade remunerada e promoção do aleitamento materno não são arbitrárias. Dados científicos mostram que as crianças amamentadas nos primeiros 1000 dias de vida (até os 2 anos) e exclusivamente nos primeiros 6 meses, apresentam melhor saúde no futuro (que se traduz em menor ônus para o Estado) e podem produzir mais (gerando maior renda para o Estado e menos prejuízo com afastamentos). Em artigo de 2019 (Horta, 2019), mostrou-se que crianças amamentadas apresentaram maior renda que crianças não amamentadas quando entraram no mercado de trabalho. Também há evidências de que crianças amamentadas são mais inteligentes que crianças não amamentadas (OMS, 2013). O resultado é o mesmo: a promoção do aleitamento materno é um investimento no futuro.



Referências


1) Rimes et al. Maternity leave and exclusive breasfeeding. Rev Saude Publica, v.53:1-12, 2019.

2) Monteiro et al. Influence of Maternity Leave on Exclusive Breastfeeding: Analysis from Two Surveys Conducted in the Federal District of Brazil. J Hum Lac, v.35: 362-70, 2018.

3) Navarro-Rosemblatt and Garmendia. Maternity Leave and Its Impact on Breastfeeding: A Review of the Literature. Brastfeed Med, v.13:589-97, 2018.

4) UNICEF. Family Friendly Policies Research, 2019. Disponível em: https://www.unicef-irc.org/publications/pdf/Family-Friendly-Policies-Research_UNICEF_%202019.pdf, acesso em 9 de fevereiro de 2021.

5) Wood et al. Interventions that Enhance Breastfeeding Initiation, Duration, and Exclusivity: A Systematic Review. MCN Am J Matern Child Nurs, 4: 299-307, 2016.

6) Baraldi et al. The meaning of the social support network for women in situations of violence and breastfeeding. Rev Lat Am Enfermagem, 28:e3316, 2020.

7) Kiross et al. The effect of maternal education on infant mortality in Ethiopia: A systematic review and meta-analysis. PLoS, v.14:e0220076, 2019.

8) Bertini et al. Maternal Education and the Incidence and Duration of Breast Feeding: A Prospective Study. JPGN, v.37: 447-52, 2003.

9) Mazza et al. Influence of Social Support Networks for adolescent breastfeeding mothers in the process of breastfeeding. Cogitare Enfermagem, v.19:232-8, 2014.

10) McFadden et al. Support for healthy breastfeeding mothers with healthy term babies. Cochrane Database Syst Rev, v. 2:CD001141, 2017.

11) Lee et al. Effects of education and support groups organized by IBCLCs in early postpartum on breastfeeding. Midwifery, v. 75:5-11, 2019.

12) Tang et al. Association between maternal education and breast feeding practices in China: a population-based cross-sectional study. BMJ, v.9:e028485, 2019.

13) Sandre-Pereira. Amamentação e sexualidade. Rev Est Fem, v.11:1-25, 2003.

14) Horta. Breastfeeding: investing in the future. Breastfeed Med, v.14: Suppl 11-12, 2019.

15) OMS. Horta e Victora: Lon-term effects of breastfeeding: a systematic review, 2013. disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/79198/9789241505307_eng.pdf;jsessionid=E5D9122A7718D05E740D2DB19ED11C76?sequence=1. Acessado em: 9 de fevereiro de 2021.

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