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  • Foto do escritorKelly V. Giudici

O perigo das conclusões falsas


Todo mundo sabe que o que comemos influencia diretamente na saúde, na prevenção ou no desenvolvimento de doenças crônicas, como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e câncer. Porém, é muito importante ter em mente que tais doenças sempre existiram, e não são exclusividade das últimas décadas.


É verdade que a prevalência de várias delas está aumentando, mas é errado concluir que elas só tenham aparecido após a era da industrialização e do estilo de vida atual. Nas décadas mais recentes, o avanço da medicina e da tecnologia tem proporcionado um grande controle nos casos de mortes por doenças infecciosas, e um consequente considerável aumento na expectativa da vida.


Séculos atrás, mortes por causas infecciosas eram muito mais comuns e ocorriam muito mais cedo, de modo que para muitas pessoas não dava tempo de desenvolver as "doenças da atualidade", cujo avanço é lento e progressivo. Outro motivo para o aumento da prevalência é que, na verdade, muitos casos anteriores não eram notificados. A população não tinha tanto acesso a serviços de saúde, e exames preventivos eram bem menos frequentes.


Manipulando o conhecimento para promover o radicalismo


Julgamentos sem embasamento ou que deturpam o conhecimento cientifico estão, infelizmente, cada vez mais comuns, principalmente nas redes sociais. Radicalismos pregando "vida saudável" chegam a negligenciar o conjunto de fatores que influenciam a saúde e penalizam quem não consegue ou não está disposto a seguir o mesmo conceito. E isso, ao invés de ajudar mais pessoas a adotarem um estilo de vida mais saudável, acaba por gerar culpa e insatisfação. Por isso, paremos de enxergar a alimentação moderna como sendo a causa única e exclusiva das doenças!


Todas as doenças crônicas são multifatoriais, ou seja, tendem a ser causadas por um conjunto de fatores que operam em consonância e variam de pessoa para pessoa. Fatores genéticos, alimentação, sedentarismo, estilo de vida, tabagismo, consumo exagerado de álcool, exposição à poluição e outros tóxicos... tudo isto contribui, e cada organismo tem uma capacidade de resposta diferente em relação à combinação destes fatores.


Exatamente por isso, é plenamente possível, por exemplo, que uma pessoa fisicamente ativa, que tenha uma alimentação equilibrada, tranquila e viva no campo desenvolva algum doença crônica, enquanto outra sedentária, moradora de uma metrópole poluída, com uma rotina estressante e fã de frituras e bebidas açucaradas, não. Só é menos provável, mas é tão possível quanto.

O caso do cardiologista que infartou


Recentemente li uma opinião em redes sociais que julgava o fato de que John Warner, presidente da American Heart Association (AHA) ter infartado, no ano passado, aos 52 anos. Na opinião da pessoa (profissional de saúde, inclusive) isso demostrava quão incorreta era a abordagem atual dos cardiologistas, teoricamente mais preocupados com medicamentos do que com os fatores de estilo de vida que afetam a saúde. Vejam que conclusão sem embasamento! Esta mesma pessoa lembrava o fato de que John possuía dois antecedentes familiares que haviam infartado por volta dos 60 anos. Ou seja, deixava claro que ele apresenta um dos fatores de risco mais relevantes para doenças cardíacas: a influência genética.


Ou seja, para ser presidente da AHA não se pode ter risco cardíaco? Esta ideia é tão inapropriada quanto dizer que psicólogos não podem ter questões pessoais a serem discutidas em terapia, que uma obstetra não pode ter dificuldades nos seu próprio parto, ou que um professor não pode ter dúvidas. Trabalhar em prol da saúde cardiovascular e sofrer um ataque cardíaco não são fatos incompatíveis, nem diminuem a qualidade e o mérito da atuação de um cardiologista.

Este texto é um pedido para que sejamos cada vez mais reflexivos e menos passivos diante das informações. Doenças crônicas são a maior causa de mortalidade no mundo todo atualmente, e buscar hábitos que aumentem a qualidade de vida e previnam o seu desenvolvimento são de grande relevância, certamente. Este, imagino, é um dos motivos pelo qual você lê o NutS! Mas cabe lembrar que elas são um reflexo da evolução da sociedade até o modo de vida atual, no sentido positivo e também no negativo. Se ganhamos anos a mais de vida com a cura das doenças infecciosas, lidamos agora com outras questões que nos desafiam a postergar ainda mais o desenvolvimento das doenças crônicas, que sempre existiram e sempre irão existir.


Precisamos sim nos preocupar com o que nos faz adoecer, mas com bom senso para discernir entre as informações que nos são passadas como "verdades incontestáveis", e com liberdade para encontrar o equilíbrio em cada estilo de vida individual.

Referências

American Heart Association (AHA). AHA President doing well after minor heart attack.

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