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  • Foto do escritorNatália P. Castro

Adolescência, junk food nos EUA e memórias afetivas de 1994



Eu sempre tive e tenho uma grande curiosidade para saber como é a alimentação e cultura alimentar em outros países. Afinal de contas, comparado com outras nacionalidades, somos tão diferentes em diversos aspectos: religião, forma de se vestir, escola. Acredito que essa curiosidade não seja só minha. É por isso que hoje eu decidi compartilhar como foi a minha experiência, principalmente no que se refere à alimentação, de morar nos EUA entre 1994 e 1996.


Em 1994, meu pai foi contemplado com uma bolsa de estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para realizar o doutorado sanduíche (quando você realiza parte do doutorado no Brasil e parte em outro país). Fomos toda a família para os EUA, mais precisamente para uma cidade chamada Urbana – Champaign, na época com 35 mil habitantes, localizada no Estado de Illinois.


Um dia após a nossa chegada, fomos ao supermercado – Big K Mart (que hoje já não existe por lá). A primeira coisa que chamou nossa atenção foram os tamanhos das porções. Enquanto no Brasil comprávamos leite de 1L, o leite americano vinha em embalagens de 3,8L (1 galão). O pote do sorvete, que aqui no Brasil é comercializado na quantidade de 1L, nos EUA é vendido em um balde (bucket) de 4,25L e, próximo ao sorvete, ficavam expostas embalagens com 50 casquinhas de sorvetes. É claro: a gente nunca esquecia de pegar o sorvete e as casquinhas nas nossas idas ao mercado de lá.




Próximo ao Big K Mart tinha um McDonald´s e este, claro, já havíamos experimentado no Brasil. Mesmo em 1994. Vale dizer que íamos poucas vezes ao McDonald´s no Brasil, os lanches ainda eram (e são, na minha opinião) caros. Então íamos, às vezes, no domingo à noite, quando voltávamos cansadas do clube. Na nossa primeira ida ao McDonald´s americano, notamos a diferença nos preços dos lanches. Enquanto no Brasil era muito caro comer no Mc, lá, o cheeseburger custava 75 cents. Ou seja, a gente conseguia comprar um lanche com 3 moedas.


Do Brasil, algumas coisas deixavam saudades, como a bolacha São Luíz de chocolate, que sempre disputávamos, e o Sonho de Valsa. Lembrem-se que essas memórias são de uma criança de 1994. Não sentimos falta do nosso feijão (apenas a versão enlatada e pré-pronta era vendida nos EUA), o nosso velho e nacional guaraná Antárctica e do leite condensado (e brigadeiro), porque o Turco, como era conhecido entre os brasileiros, importava esses alimentos e vendia a um precinho bem salgado num mercado afastado da cidade.


O ginásio e ensino médio americanos eram/são públicos. Nos EUA só se paga o ensino superior. Entrávamos na escola às 8 horas da manhã e saíamos às 16h. Portanto, almoçávamos no refeitório do colégio – talvez no que se assemelhe à merenda escolar. Contudo, os alunos dos pais que tinham mais dinheiro pagavam pelas refeições, enquanto que aqueles que comprovavam renda menor não precisavam pagar pelo lanche. O pagamento era feito mensalmente e recebíamos um pequeno cartão com os dias impressos. Toda vez que retirávamos o lanche, a “merendeira” fazia um furo no cartão – uma espécie de ponto.


Tínhamos 3 escolhas para o almoço: cheeseburger e fritas; tacos com cheddar e fritas, ou pizza e fritas. Para beber, podíamos escolher entre leite puro ou com achocolatado. Nos foi servido isso durante os 2 anos em que estivemos lá, todos os dias. Um detalhe: a batata frita servida na escola e em todos os estabelecimentos comerciais de lá foi uma das coisas mais gostosas que lembro de ter comido. Desde então tenho buscado freneticamente essas batatas aqui no Brasil, sem sucesso. Quando eu chegava em casa, gostava de uma torta de espinafre que era vendida no supermercado, pré-pronta e deliciosa – 2 minutos no microondas. E, como sobremesa, o cheesecake de cereja que minha mãe aprendeu a fazer lá.


A comunidade brasileira que habitava a nossa região era coesa. As pessoas se ajudavam ali: desde a encontrar lugar para morar e locais que vendiam coisas baratas (as famosas garage sales e salvation armies) aos bicos que iriam te possibilitar uma viagem pra Disney. Aos sábados ou domingos, todos os brasileiros que moravam ali se reuniam para um clássico churras semanal. Naquele esquema: cada um traz uma coisa, cerveja, e sempre um na churrasqueira. Muitas crianças, adultos, casais – todos vinculados à universidade. Todos na mesma situação.



Apesar de ter tido uma alimentação bem junky enquanto morei nos EUA, foi apenas quando voltei para o Brasil que vi o meu peso aumentar. Explico: lá levávamos uma vida muito ativa. Íamos para a escola de ônibus, mas sempre voltávamos a pé. Íamos de bicicleta para todos os lugares. Jogávamos basquete, vôlei, baseball, o que viesse. Nessa época ainda não havia celular e a internet começava a ter aquela conexão discada (lembram?). Quando voltamos pro Brasil, para o nosso apartamento, houve uma mudança brutal no estilo de vida. Não podíamos, por exemplo, pegar a bicicleta e ir para a escola ou para qualquer lugar de São Paulo. A cidade não tinha estrutura para bicicletas, a violência, ausente lá em Urbana, estava “desenfreada” aqui (veja como a cidade pode influenciar a obesidade) – pelo menos era isso que nos passavam quando voltamos. Além disso, aprendi a gostar de coisas que antes não tinha o hábito de comer: cheeseburger/pizza/tacos, batata frita, refrigerante, entre tantos outros alimentos processados.


Ter ido para os EUA foi uma experiência única, que ampliou a minha visão de mundo. A alimentação foi só uma das coisas que mudou e que ainda exerce influência sobre o meu hábito alimentar e paladar. Até hoje, por exemplo, gosto muito de leite, principalmente após as refeições (suspeito que uma herança dos EUA) e ainda busco “aquela” batata frita, hei de encontrá-la.


O meu discurso quando falo de comida, das coisas que experimentei nos EUA, do que senti falta do Brasil, está intimamente associado à minha memória afetiva. Às vezes é impossível dissociar um alimento de uma sensação única e positiva que experimentei lá atrás. Nunca gostei de guaraná, por exemplo, preferia Coca- Cola. Quando fui para os EUA, eu fiz questão de comprar e tomar um guaraná comprado no Turco. Hoje, gosto bastante do guaraná e, quando estou me sentindo particularmente nacionalista, escolho esse refrigerante ao invés da Coca-Cola.


Por isso, aqui no NutS nunca defenderemos uma alimentação restritiva (a não ser que, efetivamente, haja intolerância ou motivo metabólico para isso). A comida nunca é só a comida. Pode ser uma memória, carregada de significados, como aquela bala que você chupava quando era pequena. Nesse caso, ovalor nutricional adquire uma importância secundária, comparado aos muitos outros valores dessa bala.


Isso, no entanto, não nos impede de questionar os tamanhos das porções americanas ou outras questões relacionadas à alimentação. Até hoje, quando assisto à TV com programas que se passam lá nos EUA e vejo um salgadinho tamanho família, refrigerante e pipoca “refil”, fico pensando na população exposta à oferta demasiada desses alimentos. Os EUA ou a indústria alimentícia americana, de uma forma geral, oferecem porções gigantescas a preços baixos. Algo no estilo supersize (ou supertamanho).


Quando expostos à uma alimentação que significa, emocionalmente, tantas coisas, será que temos alguma chance de impedir os efeitos fisiológicos dessa dieta? A resposta é sim. É por isso que estar munido de informações confiáveis sobre Nutrição é importante, pois empodera cada um a atuar como protagonista da sua própria alimentação. Mas as questões emocionais envolvidas na alimentação, que incluem aversões e preferências, devem ser respeitadas.


Uma coisa é certa: a minha relação com a comida tanto no Brasil quanto nos EUA teve um significado importante na minha vida, tendo influenciado, inclusive, a minha decisão pelo curso de nutrição.


Obs.: como naquela época os celulares ainda não existiam, temos poucas fotos. Escolhi a melhor foto no estilo “supersize” do nosso acervo.




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